
Introdução: Um Problema Silencioso e Crescente
Você já notou como algumas pessoas idosas parecem “murchar” com o passar dos anos? Aqueles braços e pernas que antes eram firmes e fortes vão perdendo volume e força, dificultando atividades que antes eram simples, como levantar de uma cadeira ou carregar as compras do supermercado. Este fenômeno tem nome: sarcopenia.
De acordo com estudos epidemiológicos recentes, a sarcopenia afeta entre 5% a 13% das pessoas com 60 a 70 anos, aumentando para impressionantes 50% naqueles com mais de 80 anos. No Brasil, estima-se que mais de 5 milhões de idosos sofram com esta condição, muitas vezes sem diagnóstico adequado.

A sarcopenia é caracterizada pela perda progressiva e generalizada de massa muscular esquelética, força e função. Não se trata apenas de uma questão estética, mas de um problema de saúde sério que compromete a qualidade de vida, a independência e até mesmo a sobrevivência dos idosos.
Neste artigo, vamos explorar em detalhes o que é a sarcopenia, suas causas, consequências, como é feito o diagnóstico e, principalmente, o que pode ser feito para prevenir e tratar esta condição silenciosa que compromete a independência na terceira idade.
Sobre o Autor

- Dr. Melchior Valmorbida é um geriatra de destaque, dedicado a promover um envelhecimento ativo, saudável e pleno em todas as dimensões da vida.
- Ele compreende que cada paciente tem uma história de vida única e, portanto, adapta cada consulta às necessidades específicas da pessoa.
- Sua expertise no cuidado aos idosos é fundamentada em uma visão integral da saúde, que considera não apenas os aspectos físicos, mas também os emocionais e sociais do envelhecimento.
- Com mais de 16 anos de experiência como médico, dos quais mais de 8 anos são dedicados exclusivamente à Geriatria, tem se especializado no tratamento de condições complexas que afetam a população idosa.
- Geriatra Titulado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia / Associação Médica Brasileira
- Associado à Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
- Membro do Corpo Clínico do Hospital São Lucas da PUCRS
- CREMERS 32896 | RQE 39401
O Que é Sarcopenia?
A palavra sarcopenia vem do grego “sarx” (carne) e “penia” (perda), literalmente significando “perda de carne”. Foi descrita pela primeira vez em 1989 pelo Dr. Irwin Rosenberg para descrever a diminuição da massa muscular relacionada ao envelhecimento.
Atualmente, a definição de sarcopenia vai além da simples perda de massa muscular, incluindo também:
- Redução da massa muscular: Diminuição quantitativa do tecido muscular
- Diminuição da força muscular: Capacidade reduzida de gerar força
- Comprometimento do desempenho físico: Dificuldade em realizar atividades que dependem da função muscular

A sarcopenia é considerada primária quando relacionada exclusivamente ao processo de envelhecimento, e secundária quando outros fatores contribuem para seu desenvolvimento, como doenças, inatividade física ou má nutrição.
O que os pacientes dizem:





Por Que Acontece? Entendendo as Causas da Sarcopenia
O processo de perda muscular começa mais cedo do que imaginamos. A partir dos 30 anos, perdemos naturalmente cerca de 3% a 8% de nossa massa muscular por década. Após os 60 anos, esta perda se acelera significativamente.
Alterações Fisiológicas do Envelhecimento

- Desequilíbrio entre síntese e degradação proteica: Com o envelhecimento, o corpo se torna menos eficiente na produção de proteínas musculares e mais propenso à perda proteica
- Alterações hormonais: Redução nos níveis de hormônios anabólicos como testosterona, estrogênio e hormônio do crescimento
- Disfunção mitocondrial: As mitocôndrias, “usinas de energia” das células, tornam-se menos eficientes
- Inflamação crônica de baixo grau: O “inflammaging” contribui para a degradação muscular
- Resistência anabólica: Os músculos dos idosos respondem menos aos estímulos para crescimento muscular, como exercícios e ingestão proteica
Fatores de Risco e Causas Secundárias
Além das alterações naturais do envelhecimento, diversos fatores podem acelerar ou agravar a sarcopenia:
- Sedentarismo: Principal fator modificável – “use ou perca”
- Má nutrição: Especialmente deficiência proteica e calórica
- Doenças crônicas: Diabetes, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, artrite reumatoide…
- Medicamentos: Corticosteroides, alguns imunossupressores
- Fatores genéticos: Predisposição hereditária
- Estresse oxidativo: Acúmulo de danos celulares causados por radicais livres

Impactos da Sarcopenia na Vida do Idoso
A sarcopenia vai muito além da simples perda de massa muscular. Seus impactos na vida do idoso são profundos e multidimensionais:
Impactos Físicos e Funcionais
- Redução da mobilidade: Dificuldade para caminhar, subir escadas, levantar-se
- Aumento do risco de quedas: Principal causa de fraturas e hospitalização em idosos
- Perda de independência: Dificuldade para realizar atividades básicas e instrumentais da vida diária
- Fragilidade: Estado de vulnerabilidade com reserva fisiológica diminuída
- Maior risco de hospitalização: Internações mais frequentes e prolongadas
Impactos Metabólicos e na Saúde Geral
- Alteração da composição corporal: Aumento da gordura corporal mesmo sem ganho de peso (obesidade sarcopênica)
- Redução do metabolismo basal: Favorecendo o ganho de peso
- Resistência à insulina: Aumentando o risco de diabetes tipo 2
- Comprometimento da termorregulação: Maior sensibilidade ao frio
- Redução da densidade óssea: Aumentando o risco de osteoporose
Impactos Psicossociais
- Isolamento social: Devido à limitação de mobilidade
- Depressão e ansiedade: Relacionadas à perda de autonomia
- Redução da qualidade de vida: Em todos os aspectos
- Aumento da dependência de cuidadores: Impactando toda a dinâmica familiar

Como é Feito o Diagnóstico da Sarcopenia?
O diagnóstico da sarcopenia é multidimensional e envolve a avaliação de três aspectos principais: massa muscular, força muscular e desempenho físico.
Avaliação da Massa Muscular

- DEXA (Absorciometria de Raio-X de Dupla Energia): Considerado o padrão-ouro para medição da composição corporal, permite quantificar a massa muscular esquelética
- Bioimpedância elétrica: Método mais acessível que estima a composição corporal através da passagem de uma corrente elétrica de baixa intensidade
- Antropometria: Medidas como circunferência da panturrilha podem ser utilizadas em ambientes com recursos limitados
- Tomografia computadorizada e ressonância magnética: Métodos mais precisos, porém de alto custo e menor disponibilidade
Avaliação da Força Muscular

- Força de preensão palmar: Medida com dinamômetro manual, é um preditor confiável da força muscular global
- Teste de sentar e levantar: Avalia a força dos membros inferiores
- Flexão de cotovelo: Para avaliação da força dos membros superiores
Avaliação do Desempenho Físico
- Teste de velocidade de marcha: Velocidade inferior a 0,8 m/s indica comprometimento
- Short Physical Performance Battery (SPPB): Avalia equilíbrio, marcha, força e resistência
- Teste Timed Up and Go (TUG): Mede o tempo que o indivíduo leva para levantar de uma cadeira, caminhar 3 metros, retornar e sentar-se novamente
Critérios Diagnósticos
Segundo o Consenso Europeu de Sarcopenia (EWGSOP2), o diagnóstico segue esta sequência:
- Baixa força muscular: Critério principal (força de preensão < 27kg para homens e < 16kg para mulheres)
- Baixa quantidade ou qualidade muscular: Confirmação do diagnóstico
- Baixo desempenho físico: Indica sarcopenia grave
Tratamento e Prevenção da Sarcopenia
A boa notícia é que a sarcopenia pode ser prevenida e, em muitos casos, revertida ou atenuada com intervenções adequadas. O tratamento é multidisciplinar e envolve principalmente exercícios físicos e nutrição adequada.
Exercício Físico: A Intervenção Mais Eficaz

- Treinamento de resistência (musculação): A intervenção mais eficaz para aumentar massa e força muscular, mesmo em idades avançadas
- Frequência recomendada: 2-3 vezes por semana, com pelo menos 48 horas de recuperação entre as sessões
- Intensidade: Moderada a alta (60-80% da capacidade máxima)
- Progressão gradual: Aumento progressivo de carga conforme adaptação
- Exercícios multiarticulares: Priorizando grandes grupos musculares
- Supervisão profissional: Especialmente no início, para garantir técnica adequada e segurança
Nutrição Adequada: Combustível para os Músculos

- Ingestão proteica aumentada: 1,0 a 1,5g de proteína por kg de peso corporal por dia (superior à recomendação para adultos jovens)
- Distribuição proteica ao longo do dia: 25-30g de proteína por refeição para maximizar a síntese proteica muscular
- Proteínas de alto valor biológico: Carnes, ovos, laticínios, que contêm todos os aminoácidos essenciais
- Vitamina D: Fundamental para a saúde muscular, com suplementação quando necessário
- Ômega-3: Pode reduzir a inflamação e melhorar a sensibilidade à insulina
- Adequação calórica: Evitar tanto a desnutrição quanto o excesso de peso
Suplementação Nutricional

- Suplementos proteicos: Whey protein, caseína, proteína de soja
- Aminoácidos essenciais: Especialmente leucina, que estimula a síntese proteica muscular
- HMB (β-hidroxi-β-metilbutirato): Metabólito da leucina que pode reduzir a degradação proteica
- Creatina: Pode aumentar a força muscular e potencializar os efeitos do treinamento de resistência
- Vitamina D e cálcio: Importantes para a saúde muscular e óssea
Reabilitação e Fisioterapia

- Programas de reabilitação específicos: Para idosos com sarcopenia avançada ou após períodos de imobilização
- Eletroestimulação muscular: Pode ser útil em casos específicos de imobilidade
- Terapia ocupacional: Para adaptação às limitações funcionais e manutenção da independência
Tratamentos Farmacológicos
Atualmente, não existem medicamentos aprovados especificamente para o tratamento da sarcopenia, mas algumas opções estão em investigação:
- Terapia hormonal: Testosterona (em homens com deficiência comprovada)
- Inibidores da miostatina: Proteína que limita o crescimento muscular
- Moduladores seletivos dos receptores androgênicos (SARMs): Buscam efeitos anabólicos sem os efeitos colaterais dos andrógenos
- Grelina e análogos: Hormônio que estimula o apetite e pode ter efeitos anabólicos
Abordagem Multidisciplinar
O tratamento ideal da sarcopenia envolve uma equipe multidisciplinar:
- Geriatra: Coordenação do cuidado e manejo das comorbidades
- Nutricionista: Planejamento alimentar individualizado
- Educador físico: Prescrição e supervisão de exercícios
- Fisioterapeuta: Reabilitação e treino funcional
- Terapeuta ocupacional: Adaptações para manutenção da independência
- Psicólogo: Suporte para aspectos emocionais e motivacionais
Prevenção da Sarcopenia: Começar Cedo é Fundamental
A prevenção da sarcopenia deve começar muito antes dos primeiros sinais aparecerem. Idealmente, devemos construir e manter nossa massa muscular ao longo de toda a vida adulta.
Estratégias Preventivas ao Longo da Vida
- Adultos jovens (20-40 anos): Construir o máximo de massa muscular possível – “reserva muscular”
- Meia-idade (40-60 anos): Manter a massa muscular com exercícios regulares e nutrição adequada
- Idosos (60+ anos): Minimizar a perda muscular com exercícios de resistência e ingestão proteica adequada
Adaptações no Ambiente Doméstico

- Barras de apoio: Em banheiros e corredores
- Elevação de assentos: Cadeiras, sofás e vasos sanitários mais altos
- Eliminação de obstáculos: Tapetes soltos, fios, móveis no caminho
- Iluminação adequada: Especialmente em escadas e corredores
- Adaptações na cozinha: Utensílios ergonômicos e de fácil manuseio
Prevenção de Quedas

- Exercícios de equilíbrio: Tai Chi, yoga adaptada para idosos
- Avaliação de riscos domésticos: Identificação e correção de perigos
- Revisão de medicamentos: Alguns podem causar tontura ou sonolência
- Calçados adequados: Antiderrapantes e de fácil colocação
- Dispositivos auxiliares: Bengalas, andadores quando necessário
Importância do Apoio Familiar

- Incentivo à atividade física: Participação conjunta em atividades
- Suporte nutricional: Ajuda no preparo de refeições nutritivas
- Acompanhamento médico: Garantir consultas regulares
- Estímulo à socialização: Combater o isolamento social
- Reconhecimento precoce de sinais de alerta: Identificar mudanças na funcionalidade
Quando Procurar um Geriatra?
É fundamental buscar avaliação médica especializada se você ou seu familiar idoso apresentar:
- Dificuldade crescente para levantar-se de cadeiras
- Sensação de fraqueza muscular generalizada
- Diminuição da velocidade ao caminhar
- Perda de peso não intencional com aparente “murcha” muscular
- Quedas frequentes ou medo de cair
- Dificuldade para realizar atividades cotidianas que antes eram simples
- Cansaço excessivo ao realizar pequenos esforços
O geriatra poderá realizar uma avaliação completa, identificar a sarcopenia em estágios iniciais e propor um plano de tratamento individualizado.
Vivendo Bem Apesar da Sarcopenia
Mesmo com o diagnóstico de sarcopenia, é possível manter qualidade de vida e independência com as estratégias adequadas:
Manutenção da Independência Funcional

- Adaptação das atividades: Encontrar novas formas de realizar tarefas
- Tecnologias assistivas: Dispositivos que facilitam o dia a dia
- Conservação de energia: Priorizar atividades importantes
- Estabelecimento de rotinas: Organizar o dia para maximizar a funcionalidade
Aspectos Psicossociais
- Manutenção de vínculos sociais: Participação em grupos e atividades comunitárias
- Hobbies e interesses: Adaptados às capacidades atuais
- Aceitação e adaptação: Trabalhar o aspecto emocional das limitações
- Grupos de apoio: Compartilhar experiências com outros idosos
Perguntas Frequentes sobre Sarcopenia
1. A sarcopenia tem cura?
Não existe uma “cura” definitiva para a sarcopenia relacionada ao envelhecimento, mas seus efeitos podem ser significativamente reduzidos, estabilizados ou até mesmo parcialmente revertidos com intervenções adequadas, principalmente exercícios de resistência e nutrição adequada.
2. Qualquer idoso pode fazer musculação?
Sim, praticamente todos os idosos podem se beneficiar de alguma forma de treinamento de resistência, desde que adaptado às suas condições individuais e com supervisão adequada. Mesmo pessoas com mais de 90 anos ou com condições crônicas podem realizar exercícios adaptados.
3. Qual a diferença entre sarcopenia e caquexia?
Enquanto a sarcopenia é a perda de massa muscular relacionada principalmente ao envelhecimento e inatividade, a caquexia é uma síndrome de perda muscular e gordura corporal associada a doenças graves como câncer, AIDS ou insuficiência cardíaca avançada, envolvendo inflamação sistêmica significativa.
4. Suplementos proteicos são necessários para todos os idosos?
Nem todos os idosos precisam de suplementos proteicos. A prioridade deve ser obter proteínas através de uma alimentação balanceada. Suplementos são indicados quando há dificuldade para atingir as necessidades proteicas pela dieta, problemas de mastigação/deglutição ou em casos de sarcopenia já estabelecida.
5. A sarcopenia pode ser detectada em exames de rotina?
Exames de rotina como hemograma ou bioquímica não detectam sarcopenia. São necessárias avaliações específicas de força, massa muscular e desempenho físico. Por isso, é importante a consulta regular com um geriatra, que poderá identificar sinais precoces e solicitar avaliações apropriadas.
Conclusão: Prevenção e Tratamento Precoce são Fundamentais
A sarcopenia é uma condição prevalente e impactante na vida dos idosos, mas não é uma consequência inevitável ou irreversível do envelhecimento. Com estratégias adequadas de prevenção e tratamento, é possível minimizar seus efeitos e manter a independência funcional por mais tempo.
O papel do médico geriatra é fundamental nesse processo, realizando o diagnóstico precoce, coordenando o cuidado multidisciplinar e orientando tanto o idoso quanto seus familiares sobre as melhores estratégias para cada caso.
Lembre-se: nunca é tarde demais para começar a cuidar da saúde muscular. Mesmo idosos em idade avançada podem obter benefícios significativos com exercícios e nutrição adequados. O importante é dar o primeiro passo.
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Referências
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- Landi F, et al. Impact of physical function impairment and multimorbidity on mortality among community-living older persons with sarcopenia: results from the ilSIRENTE prospective cohort study. BMJ Open. 2016;6(7):e008281.
- Bauer J, et al. Evidence-based recommendations for optimal dietary protein intake in older people: a position paper from the PROT-AGE Study Group. J Am Med Dir Assoc. 2013;14(8):542-559.
- Tratado de Geriatria e Gerontologia. 4ª Edição. Editora Guanabara Koogan, 2016.